terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Uma igualdade com diferenças
 
O desporto deve tratar de igual modo homens e mulheres. Só o pode fazer se respeitar as diferenças.A análise da história e sobretudo dos diferentes sistemas de organização social, revela-nos que não é fácil. Razão pela qual o problema da igualdade entre homens e mulheres ter sido, recorrentemente, abordado ao longo dos séculos. No domínio da política, da religião, da economia, da sociologia. O que revela a importância do tema e simultaneamente a sua complexidade. E o desporto não ficou de fora.
Um post recente da Maria José Carvalho para além da oportunidade que revelou teve o mérito de abrir um debate importante. É que o direito das mulheres ao desporto está hoje carregado de outros direitos que o desporto deve acolher na sua singularidade. Nos tempos actuais já não estamos apenas perante um propósito de igualdade de direitos entre sexos que são diferentes, mas entre géneros onde as diferenças não são as mesmas. A alteração semântica não é neutra. Ela acentua a passagem da diferença biológica para a diferença social. E resulta da pressão de movimentos de características diversas, mas muito por força dos movimentos feministas, para quem o género é construído socialmente, independentemente da base biológica. Simone de Beauvoir (O Segundo Sexo), utilizou uma expressão emblemática quando escreveu que ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Com o conceito de género o que se pretende acolher não é apenas o masculino/feminino, mas as representações sociais quer de um, quer de outro, onde, no limite, se podem abrigar, até, diferentes sexualidades e papéis sociais, incluindo na composição da célula familiar e dos diferentes papéis sociais no seu interior (p.e. um homem ser mãe ou uma mulher ser pai…).
A organização de competições desportivas em função da orientação sexual é apenas uma manifestação extrema destes novos tempos, mas cujo futuro ninguém pode, em bom rigor, adivinhar. E a mimetização de comportamentos e vestuário masculinos em algumas modalidades praticadas por mulheres ou os tratamentos de rosto e os modos amaneirados em alguns homens, em modalidades tradicionalmente femininas, demonstram esse facto. Na estética das modalidades verifica-se mesmo que na sua dimensão feminina algumas acentuaram essa feminização enquanto outras optaram por se masculinizar. E no domínio do espectáculo desportivo, palco de signos e valorações simbólicas do corpo em exercício, as metamorfoses masculino/feminino ou vice -versa tem óbvias leituras de conformação/desconformação aos arquétipos e aos padrões sociais dominantes. Podemos deles discordar. Mas não temos como os evitar.
Este modo de abordar o problema não é pacífico. Em alguns círculos de opinião termos como feminizar ou masculinizar suscitam muitas controvérsias porque decorrentes de padrões civilizacionais que foram socialmente moldados. Por outro lado, muito deste debate é feito como posições de grande conflitualidade e onde abundam perspectivas radicais quer de homofobia, quer de misogenia.
Mas o desporto tem uma outra singularidade: é, contrariamente à generalidade das práticas sociais em que participam ambos os sexos (ou géneros?), uma dimensão que, para a sua realização/avaliação, mantém competições e classificações em que os separa. O que é a evidência de uma igualdade com diferenças muito por força do reconhecimento de que, no plano biológico, fisiológico e motor existem diferenças que têm de ser levadas em linha de conta. Mesmo quando, convém reconhecê-lo, a evolução filogenética, social e comportamental das mulheres tenha vindo ao longo dos tempos a reduzir o impacto dessas diferenças no rendimento desportivo.
O direito ao desporto foi um direito tardio e que não acompanhou os restantes direitos cívicos e políticos. Nos tempos actuais o princípio da igualdade de ambos os sexos no uso desse direito não suscita qualquer controvérsia, mas importa ter presente que os Jogos da Antiguidade eram interditos a mulheres, e que, nas primeiras edições dos Jogos Olímpicos da Era Moderna as mulheres foram proibidas de participar. E este último tempo histórico é, apesar de tudo, recente.
A ligação da prática do desporto à promoção dos direitos das pessoas, incluindo as mulheres, obriga a recolocar valores, conteúdos éticos e educativos do desporto à luz do que tem sido o seu desenvolvimento social nos últimos anos. Não pedindo ou esperando do desporto, aquilo que isoladamente não está em condições de dar - uma sociedade mais igualitária entre homens e mulheres - mas pedindo e esperando que dê o seu contributo no que são as suas possibilidades. E que são ainda bastantes.