quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A história de uma mulher que vive o drama de muitas outras


Jornalistas Ana Isabel Fonseca e Tânia Laranjo lançam romance baseado em casos reais de mulheres maltratadas. Abordam ainda as consequências da vitimização. A Renascença falou com as autoras de "Obrigaste-me a Matar-te".

O fenómeno da violência doméstica em Portugal chega agora às livrarias em forma de romance, com o título “Obrigaste-me a Matar-te”. Duas jornalistas do “Correio da Manhã”, que cobrem sobretudo a área da Justiça, decidiram reunir numa obra de ficção fragmentos de muitos casos bem reais que têm acompanhado.
Através da história de uma mulher que mata o marido depois de 25 anos de agressões, o livro, da autoria de Tânia Laranjo e de Ana Isabel Fonseca, apresenta aquela que é a realidade de muitas famílias.
Os números indicam que 176 mulheres foram mortas nos últimos cinco anos vítimas de violência doméstica. Os dados contabilizam ainda mais uma dezena de outros casos que acabam com a morte dos agressores. É a parte visível de um problema tão grande quanto encoberto, tão grave como mascarado.
Neste livro, através da história de Maria, de 47 anos, com três filhas, casada há 25, as autoras entram na realidade de largos milhares de outros portugueses.
Tânia Laranjo conta que "este é o livro de uma mulher que foi vítima de maus tratos e que acaba por matar o marido". "É apenas a história de uma mulher, é ficcionada, mas é junção de uma série de histórias que nós acompanhámos ao longo dos anos", precisa.
"Todos os episódios do livro foram episódios de mulheres com quem falámos ou de processos que consultámos e todas elas viveram aquilo. Tentámos juntar uma série de experiências num romance, sabendo que não há ali nenhum episódio ficcionado”, sublinha.
Primeiros sinais durante o namoro
Tânia Laranjo diz que estes casos começam quase sempre na juventude, já com sinais bem claros durante o namoro.
“Os primeiros sinais são no namoro e normalmente são mascarados como ciúmes e como actos de amor: o namorado que não a deixa sair, que a obriga a mudar de roupa, que se zanga porque ela olhou para o lado. Enquanto isso for confundido com o amor… Depois vem o primeiro estalo, vem o primeiro pedido de desculpas, vem o primeiro sentimento de culpa”, diz.
“Fundamentalmente, tem que ver com a destruição da auto-estima da mulher. A partir daí, a violência pode crescer até à morte, até ao homicídio, que até é o mais comum”, acrescenta.
As vítimas, na esmagadora maioria das vezes mulheres, vêm-se enredadas num drama de onde não têm coragem nem força para sair, refere Ana Isabel Fonseca, jornalista e também autora do livro.
"Ela chega a confundir muitas vezes o amor com ódio. Num momento odeia-o, porque ele a humilha, porque ele a agride, no outro momento, quando ele pede desculpa, ela sente que realmente o ama”, diz Ana Isabel Fonseca.
"São pessoas com muito baixa auto-estima, que se sentem com medo e vergonha e vivem em solidão. A certa altura, sentem que ou é aquela vida ou já não têm futuro nenhum”, afirma a jornalista.
A proximidade entre a ficção e a realidadeNeste romance, existem três filhas, também elas sistematicamente agredidas. Também aqui não há fronteiras entre a ficção e a realidade de milhares de crianças e jovens.
“Tivemos o cuidado de pôr no livro, relativamente aos filhos, um fenómeno que pode parecer estranho, mas que não é. Ainda hoje me surpreende algumas histórias. Estas filhas que são vítimas de agressões e que estão ao lado da mãe, até no limite, quando a mãe mata o pai, continuam a gostar muito do pai. Estes sentimentos contrários das crianças são muito comuns”, refere Ana Isabel Fonseca.
No contexto da violência doméstica, a morte torna-se um desfecho esperado e ,até mais do que isso, quase desejado. Do suicídio daí decorrente não há dados concretos, embora se saiba, como aliás é retratado neste livro, que as vítimas o tentam com bastante frequência.
Conhecidos são os casos de homicídio e, desses, as autoras contam apenas dois em que, como no livro, a mulher-vítima mata o marido-agressor e é absolvida pelo tribunal.
“Há pelo menos dois casos que conhecemos onde as mulheres foram absolvidas, no Porto e no Algarve. Embora não houvesse uma agressão iminente naquele momento, o tribunal entendeu que a sua vida estava iminentemente em perigo e que era legítima essa reacção. Ainda não é um procedimento corrente dos tribunais - foi bastante arrojado, mas acontece e pode acontecer”, finaliza Tânia Laranjo.
Fonte:http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=30&did=49962

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