sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Igualdade, precisa-se(?)

Factos são factos*. Em 2012, dos 116 mil inscritos no ensino superior pela primeira vez, 65 mil eram mulheres (representando 58 por cento do total). Cada vez há mais mulheres em lugares de direção ou chefia, a assumir cargos e tarefas que até há algum tempos eram desempenhados exclusivamente por homens. Angela Merkel ou Christine Lagarde são o exemplo atualíssimo disso mesmo. Há mesmo quem diga que, qualquer dia, a as quotas têm de ser “ao contrário” e vai ter de celebrar-se o Dia do Homem em vez do Dia da Mulher.

Por baixo da superfície das aparências, a realidade é, porém, bem distinta. Em termos de remuneração base média, as mulheres portuguesas continuam bastante abaixo dos homens (1712 euros contra 1327, em dados de 2009). Mais significativa será, porém, a discrepância entre o valor dos ganhos médios (remunerações salariais acrescidas de outros tipos de rendimentos): aqui, os homens, em média, auferem 2541 euros, mais 638 euros mensais do que as mulheres. Provavelmente na base desta diferença está a dupla jornada de trabalho das mulheres em que o “segundo” emprego não é remunerado. Os homens, por seu lado, dedicam-se a outras atividades possivelmente geradoras de recursos financeiros adicionais.
Também nos números do desemprego se manifestam diferenças: o desemprego feminino tem sido historicamente superior ao masculino, ainda que a diferença tenha vindo a diminuir.
Quanto às mulheres com cargos “tipicamente” ocupados por homens, o assunto parece estranho na medida em que “elas” continuam a ser notícia. Quando Assunção Esteves assumiu o segundo lugar da hierarquia do Estado em Portugal, os média titulavam: a primeira mulher presidente da Assembleia da República. Só quando este tipo de “notícia” deixar de ser notícia é que o discurso sobre a igualdade de género será, de facto, desnecessário. (O parêntesis abre-se, a este propósito, para sublinhar que na Assembleia da República, na corrente legislatura, 72,6 por cento dos deputados são homens, o que deixa menos de um terço dos lugares às mulheres). Ainda no universo político nacional, o caso de outra Assunção, Cristas de apelido, é paradigmático: quantos homens foram notícia por ir ser pais durante o desempenho das suas funções governativas?
Mas é sobretudo nas histórias de pessoas anónimas que a desigualdade se sente mais. O poder económico já referido assume com frequência o caráter de poder efetivo. Os casos de violência doméstica sobre as mulheres – física e psicológica – têm precisamente como base os desequilíbrios de poder, de forças várias. Por trás da porta de muitos lares, repete-se a história da Mariazinha de José Mário Branco. Na rua e em público, o homem apregoa as virtudes da liberdade, justiça e igualdade que não chegam “aqui dentro de casa” (é o título da canção). Até ao dia em que Mariazinha se transforma em Marta e a maré vaza dá lugar à maré cheia.

Por tudo isto continua a fazer sentido falar de igualdade. Sabendo que homens e mulheres são, objetivamente, diferentes. Mas que têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento.
Ou, como muito melhor disse Boaventura de Sousa Santos a propósito de outro tema, é preciso reivindicar o direito à igualdade quando a diferença inferioriza e o direito à diferença quando a igualdade descaracteriza. Daí se deduz a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma igualdade que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.
Se a igualdade, de facto, entre homens e mulheres, não é tema (no bom sentido) em muitas ocasiões, são múltiplas as zonas de fratura, entre, como já se disse, o público e o privado, o urbano e o rural, o explícito e o implícito.
 
Se neste texto o mote utilizado foi a desigualdade de género, muitos outros poderia ter sido – do estatuto social à idade, passando pela nacionalidade ou etnia.
Portanto, igualdade precisa-se mesmo, sem interrogação, e mesmo com exclamação (do tipo que exprime surpresa).
 

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